Será que relaxamento só tem a ver com praia, montanha, massagem, banho quente...? Se a arquitetura pode nos estimular, ajudar na concentração, por que não poderia nos ajudar a relaxar e desestressar?
Observe a imagem acima. Ela foi escolhida por mim de forma aleatória, com base em fatores descobertos pela ciência, que indicam se uma imagem é relaxante ou não. De acordo coma ciência, esses são os fatores comprovados científicamente que tornam uma imagem, figura ou paisagem relaxante ou não:
Fractais naturais. Esses fractais são padrões que ocorrem aleatoriamente na natureza. De acordo com a ciência, a simetria e coesão desses padrões relaxa a região do nosso cérebro que está constantemente tentando "ordenar o caos" à nossa volta.
Padrões Arquitetônicos. Da mesma forma que os fractais naturais, os padrões encontrados na Arquitetura também tem efeito relaxante em nossos cérebros. Estima-se que admirar fractais pode acelerar em até 60% a recuperação do estresse.
Paisagens verdejantes. Apesar de estamos acostumados a viver em selvas-de-pedra, é muito comum nós, seres humanos, sentirmos vontade de fugir para a natureza de vez em quando. E não é atoa, cientistas descobriram que estar em contato com a natureza ajuda a regular pressão sanguínea, e que uma dose diária de 30 minutos de "natureza" por dia é o suficiente para garantir sua saúde mental e física.
O mar. É sabido que pessoas que vivem em regiões litorâneas costumam ser mais "calmas e tranquilas" do que as que vivem em grandes centros urbanos. Mas você já se perguntou por quê? Alguns estudos sugerem que o ritmo natural do oceano produz um efeito calmante no cérebro. Imagens do oceano também relaxam pois lembram você do vai e vem das ondas.
Bichinhos fofinhos. Todo mundo adora ver fotos de bichos fofos, e a ciência descobriu por quê. Parece que as imagens de animais fofinhos ajuda as pessoas a manterem o foco, principalmente porque elas ativam nosso instinto maternal/paternal, que nos força a manter o foco no recém nascido para garantir sua sobrevivência.
Linhas curvas. Essa já é uma velha conhecida. Um estudo comprovou que nós nos sentimos mais atraídos pelas formas curvas, por diversos motivos: seja porque as curvas nos são menos ameaçadoras, ou porque elas ativam a região do nosso cérebro responsável pelo desejo sexual.
A cor azul. Se você anda estressadinho, é melhor começar a se cercar de objetos de cor azul. Psicólogos descobriram que admirar a cor azul reduz a ansiedade, além de ser uma cor geralmente associada pelas pessoas à calma, tranquilidade e paz.
As Belas Artes. Não é a toa que a arte ainda domina as principais galerias de todo o mundo. Nossos cérebros são atraídos pela suavidade e volumosidade das formas e cores. Neuroscientistas descobriram durante um estudo que quando as pessoas observavam as pinturas mais famosas do mundo (desde a Monalisa de Leonardo DaVinci até Uma vista no Stour, de John Constable), elas começavam a sentir prazer, reduziam a capacidade de tomar decosões e aumentavam a dopamina (o hormônio da felicidade). Surpreendente, o efeito continuava mesmo quando os observadores não sabiam que a pintura que eles observavam era uma das mais famosas do mundo.
Tudo bem, mas o que a Arquitetura tem a ver com isso?
Ora ora, dos oito exemplos dados acima, somente um a arquitetura não pode proporcionar (adivinha qual? Sim, os bichinhos fofinhos). Todos os outros sete exemplos podem ser aplicados na arquitetura, nas formas que lhes apresento a seguir.
Padrões Arquitetônicos
De acordo com recentes pesquisas na área de Neurologia e Psicologia, o cérebro humano gosta de ordem e de formas complexas. Por isso os tais "padrões", tanto os padrões naturais quanto os padrões arquitetônicos são relaxantes. Na arquitetura, diversos elementos e soluções podem formar esses tais padrões que, quando bem utilizados, podem proporcionar relaxamento e prazer para as pessoas. Cobogós, muxarabis, painéis vazados, revestimentos com padrões ou paginações geométricas, mosaicos etc.
Fractais e Paisagens
Nenhuma novidade que jardins e paisagens naturais são verdadeiros deleites para os olhos, mas como trazer esses elementos para a arquitetura e interior? Se você tem a possibilidade de abrir sua residência para um belo jardim, faça-o. Se não tiver espaço externo, talvez possa criar um espaço interno, como um jardim de inverno. Para os que não tem nem um pouco de espaço, criar uma parede verde, quadros vegetais ou simplesmente usar vasos de plantas, quadros decorativos de plantas e até mesmo papéis de parede (pode até soar brega, mas fica lindo!).
Lembrando que, quando se fala de paisagens verdes e naturais, não estamos falando somente das plantas, mas de todos os elementos que englobam essas paisagens, que são materiais como as pedras naturais, a madeira, minerais como os metais, argila, terra, barro etc, além das flores, é claro. Em um simples exercício de observação, ao percorrer paisagens naturais você consegue perceber que há muito mais elementos, cores e texturas na natureza do que, simplesmente, o verde! E só um lembrete: Na natureza não existe simetria e nem pares!
O Mar
Ooh, la mer! Ahh, o mar! Quem nunca se pegou namorando uma foto de uma praia paradisíaca, ou colocando um barulho de ondas para tentar relaxar? Não somente a combinação de cores do mar como os tons de azul da água, os tons de branco e bege da areia, os tons de cinza do céu e das pedras, o vermelho e o laranja das falésias, o verde da vegetação em volta, nos fazem relaxar, mas a horizontalidade e a estabilidade do oceano nos transmite segurança e tranquilidade, e as formas orgânicas da natureza em volta como as dunas, os volumes na superfície da areia, o formato das ondas, também nos agrada aos olhos. Para trabalhar toda essa 'oceanidade' na Arquitetura, vale a pena trabalhar toda a paleta de cores acima citada, todo os espectro de azuis, branco, tons amarelados (bege, palha), tons rosados (laranja, coral, rosa flamingo), vermelho, terracota e os tons de verde. Usar elementos curvos, formatos e padrões orgânicos, e não se esqueçam das texturas (muito importante!), texturas que remetem às areias, fibras naturais, palhas de coqueiros, tecidos brancos e esvoaçantes (remetem a espuma do mar).
Linhas curvas
Trabalhar formas orgânicas na arquitetura e no design é sempre um desafio. Primeiro, porque é muito mais fácil trabalhar com linhas retas do que com curvas (além de mais fácil, também é mais barato!), as formas retas possibilitam melhor aproveitamento do espaço (é difícil ocupar bem o layout de um ambiente cuja planta é orgânica). Entretanto, algumas soluções simples e interessantes podem ser aplicadas na arquitetura para proporcionar organicidade ao projeto.
As Belas Artes
A Arquitetura é uma das formas da arte. A arte, por conseguinte, é um dos meios que o ser humano encontrou para manifestar a sua busca pelo belo, como um meio de elevar o seu ser. Religiosamente falando, seria uma forma de tornar-se mais próximo da figura divina. A seria uma experiência etérea, espiritual, divina, religiosa, uma forma de contemplação, de reflexão, e mais tarde foi usada como uma forma de expressão e manifestação de idéias. Mas, a verdade é que, ninguém se interessaria em ter um quadro ou uma escultura em casa cujo motivo seria uma 'posição política', mas buscamos encher nossos espaços com artes que julgamos serem belas e agradáveis. Esta é a função principal da arte: ser bela.
Mas existe um tipo de arte que nos é mais agradável aos olhos do que qualquer outro tipo de arte, que são as Belas Artes ou as Artes Superiores, que é um termo cujas origens datam do período clássico, masi especificamente o grego, que criaram o termo Artes Superiores ou Artes Nobres, separando a idéia da arte como artesanato e criando um novo patamar para a arte como uma criação intelectual e superior. Mas essa noção foi o que deu origem às obras de arte mais belas já criadas pela humanidade.
Ao observar uma dessas criações artísticas, não é difícil entender porque são consideradas relaxantes. Como bem sabem, falamos bastante sobre as formas orgânicas e curvas, e sobre as cores. Pois esse estilo de arte apresenta todas as características que nossos cérebros consideram mais agradáveis de se observar. Se quer proporcionar relaxamento para sua arquitetura, procure usar obras de arte que remetem a esse estilo, ou obras que possuem as mesmas características: curvas, formas orgânicas, cujos volumes proporcionem suavidade e leveza, e cores que remetem à natureza, florestas e litoral (observem a primeira imagem que ilustra este artigo).
A Qualidade Técnica da Arquitetura
Lembrando que, a arquitetura não é somente sobre os acabamentos, materiais usados, estruturas etc. Arquitetura é qualidade de vida, é bem estar, é economia, é saúde. Para garantir que uma arquitetura tenha qualidade técnica, ela deve proporcionar:
Conforto térmico. Muitas pessoas pensam que conforto térmico é ter um bom ar-condicionado instalado no ambiente. Bem, isso mostra claramente que não existe esta qualidade no ambiente, e por isso, o ar-condicionado teve de ser instalado. O conforto térmico é uma qualidade técnica que depende de uma série de fatores: a boa orientação da edificação no terreno, boa orientação solar, o uso de proteções solares, o emprego de materiais com bom desempenho térmico, ventilação natural e cruzada, troca de gases no interior das edificações, bioclimatismo etc. Como vêem, não é simples. Entretanto, uma vez que temos uma edificação que proporcione bom conforto térmico é impossível não nos sentirmos melhores, mais confortáveis e, obviamente, relaxados.
Conforto acústico. Há quem pensa que conforto acústico é só não ouvir o que se passa no apartamento do lado. A verdade é que estamos tão acostumados com o desconforto acústico que não conseguimos nem entender o que é um ambiente com qualidade acústica. É tão comum, para nós, estarmos em um ambiente com muito eco, muito zumbido, onde temos que aumentar o volume da televisão para escutá-la e, mesmo assim, não compreender corretamente o que ouviu, é tão comum perder a concentração pela quantidade de barulhos que ouvimos ao nosso redor quando estamos trabalhando, ou ouvir a conversa da mesa do lado quando estamos em um restaurante, que não se passa na nossa mente que é possível existir um ambiente onde conseguimos ouvir o silêncio. Isso mesmo. Você já ouviu o som do silêncio? É maravilhoso. É onde temos paz, onde não tem estímulos externos, onde não perdemos a concentração, onde conseguimos ouvir até mesmo nossa própria respiração e batimentos cardíacos. É onde o sono se embala, ou onde a leitura ou o trabalho rendem. Diferente dos sons da natureza, cujo farfalhar das árvores ou as ondas do mar provocam relaxamento, o som do silêncio também nos faz muito bem. E não é nem preciso dizer muito, quando se pensa em paz e silêncio, já nos sentimos meio relaxados.
Orientação espacial e escala. O senso de direção é um dos nossos extintos mais antigos. E já foi comprovado cientificamente que, ambientes (ou cidades, bairros, ruas etc) onde conseguimos nos orientar melhor nos são mais agradáveis. Ambientes confusos, que não apresentam um caminho ou ordem natural, ambientes repetitivos e iguais confundem o nosso "GPS", e pode provocar até ataques de pânico. A dimensão correta dos espaços também é muito importante para complementar esse senso de direção. Espaços muito pequenos, além de serem claustrofóbicos, atrapalham um outro instinto do ser humano, o de se "colar nas paredes". Nós ficamos mais confortáveis em um espaço se estamos encostados em uma das paredes, o estar localizado no centro de um ambiente nos deixa inseguros. O chão também é uma superfície que muito nos atrai, gostamos de ficar o mais colado nas paredes e o mais próximo do chão. Espaços amplos demais podem transmitir uma sensação de insignificância e falta de proteção. Apesar de ser um aspecto interessante de se explorar em uma igreja, por exemplo, não são características agradáveis para se usar em uma arquitetura residencial.
Ergonomia. Ambientes que foram feitos para o nosso tamanho, com móveis que acomodem as nossas funções no espaço, também representam outro tipo de qualidade técnica. Se estamos em um espaço onde os móveis são grandes demais ou pequenos demais, se são muito baixos e machucam nossas colunas ou se são muito altos que não os alcançamos também não são muito agradáveis, além de nos causarem lesões.
Conforto luminoso. Todos nós adoramos uma boa iluminação. É impressionante como a luz muda o nosso humor e como nós sentimos essa influência e estímulo da iluminação. Entretanto, a grande maioria de nós está exposto a todo tempo a um ambiente com iluminação inadequada. O aproveitamento da luz do dia não serve somente para economizar energia, mas a luz diurna acorda o nosso organismo, faz bem para a saúde dos nossos tecidos (pele, unhas, cabelos, olhos) além de muitos outros benefícios. Outra questão importante, é que cada atividade é melhor desempenhada com um tipo específico de iluminação. Pois a luz muda a forma como as pessoas se sentem, como se comportam e como desempenham suas atividades. Atividades de concentração e criatividade, por exemplo, são melhor desempenhadas em ambientes mais escuros e com baixa luminosidade periférica. As interações humanas também são alteradas pela percepção da luz. Ambientes muito iluminados proporcionam uma maior conexão entre as pessoas, pois as pessoas percebem mais ao redor, enquanto ambientes mais escuros proporcionam maior interação social pois as pessoas tem uma sensação de que não estão sendo vistas. Obviamente, um espaço mais iluminado é mais estimulante e dinâmico do que um espaço mais escuro, influenciando na sensação de relaxamento.
Biofilia. A conexão com a natureza não é simplesmente um valor estético arquitetônico, mas poder conviver em um espaço (ou cidade, por exemplo) onde temos um senso de conservação, preservação e conexão com a natureza também reflete a qualidade técnica de uma arquitetura. Sabemos que os espaços não podem ser totalmente fechados, lacrados, sem luz ou ventilação natural. Com esses fatos, sabemos que, o caminho mais correto para a arquitetura atingir uma boa qualidade técnica é através dos ambientes abertos, bem dimensionados, bem orientados, com edifícios bem implantados, bem iluminados, ventilados, e com bom desempenho acústico e luminoso. Conforme vimos acima, só de observar uma imagem de uma paisagem natural já podemos nos sentir relaxados. Imagine, então, o contato com essa paisagem natural e o impacto que isso tem em nosso estado emocional?
Estimular os sentidos. Em conjunto com a biofilia aplicada à arquitetura, estimular os sentidos em um espaço também é uma forma poderosa de se alcançar um ambiente relaxante, seja ele interno ou externo (como um jardim ou varanda, por exemplo). Esse estímulo pode ser:
Visual. Através do uso das cores, iluminação, soluções estéticas, uma vista bonita, uma obra de arte etc.
Tátil. Através das texturas, revestimentos que estejam acessíveis ao toque, plantas e pisos para andar descalços, ventilação natural e cruzada, fontes de umidade etc.
Auditivo. Utilização de som ambiente para reproduzir uma música ou barulho relaxante, ou o barulho das plantas em um jardim, ou uma fonte de água.
Palativo. No caso de jardins e varandas, onde se pode plantar árvores frutíferas.
Olfativo. Com a utilização de plantas que exalem odores agradáveis, ventilação natural que possa transmitir o frescor e o odor agradável da vegetação, aromatizantes etc.
Conclusão
Em um mundo cada vez mais estressante, onde sofremos com a correria e a pressão do dia-a-dia na vida nas grandes cidades, e onde a ansiedade, a depressão e até o suicídio se tornaram os problema do século na vida do ser humano moderno, é importante que a nossa casa, nosso lar, seja o nosso templo, nosso reduto, nossa fuga e nosso abrigo desse mundo caótico e frio. E para se alcançar isso, é preciso que um 'terapêuta' arquitetônico possa trabalhar, nas nossas casas, soluções adequadas para transformar os espaços e garantir que eles nos proporcionem prazer, relaxamento e segurança.
Somente quando temos contato com um ambiente totalmente equilibrado e saudável é que conseguimos entender a importância do papel do Arquiteto na saúde física e mental das pessoas.
Links de artigos interessantes:
https://peopleplacespace.org/toc/section-2/
http://vcl.salk.edu/~gepshtein/placemaking/literature.html#books
http://mentalfloss.com/article/60632/11-scientific-reasons-why-being-nature-relaxing
https://www.educationnext.org/the-educational-value-of-field-trips/
https://bebrainfit.com/benefits-art/
https://www.scientificamerican.com/article/meditations-calming-effects-pinpointed-in-brain/
https://www.health.harvard.edu/mind-and-mood/protect-your-brain-from-stress
https://mindfulentrepreneurship.com/neuroscience-of-mindfulness-what-exactly-happens-to-your-brain-when-you-meditate-7d1ca47d9fca
https://www.nationalgeographic.com/magazine/2016/01/call-to-wild/
https://exame.abril.com.br/ciencia/como-a-iluminacao-de-um-ambiente-influencia-nossas-decisoes/
https://insight.kellogg.northwestern.edu/article/how-lighting-affects-choices
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