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A Neurologia da Estética

Como o sistema de processamento-visual molda nossos sentimentos sobre o que vemos

Texto traduzido livremente do artigo "The Neurology of Aesthetics", escrito por Vilayanur S. Ramachandran e Diane Rogers-Ramachandran, publicado na Revista Scientific American, Edição Especial de Maio de 2008.


O QUE É ARTE? Provavelmente existem tantas definições para a arte quanto existem artistas e críticos. A arte é claramente uma expressão da nossa estética em resposta à beleza. Mas a palavra tem tantas conotações que é melhor - sob um ponto de vista científico - nos limitar à neurologia da estética. A resposta estética varia de uma cultura para outra. O buquê de Marmite (extrato de levedura) é avidamente procurado pelos Ingleses mas é repulsivo para a maioria dos Americanos. O mesmo se aplica para as preferências visuais; nós pessoalmente não achamos nada de especial em um Picasso. Apesar da diversidade de estilos, muitos já se questionaram se existe ou não algum princípio universal. Teríamos nós uma "gramática" interna de estética análoga à sintaxe universal da linguagem, proposta pelo linguista Noam Chomsky do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)?


A resposta talvez seja que sim. Nós sugerimos que as "leis" universais da estética podem cruzar não somente os limites culturais mas também o de espécies. Seria uma coincidência que achamos pássaros e borboletas bonitos, mesmo que eles tenham evoluído para serem atraentes somente para outros pássaros e borboletas, mas não para nós?


O pássaro-caramanchão produz belas estruturas para o acasalamento, que provavelmente renderia críticas positivas por críticos de arte de Manhattan - contanto que você as leve a leilão na Sotheby's e não conte a ninguém que foi criada da mente de um pássaro.


Em 1994, em um humor caprichoso, nós trouxemos uma forma de lista arbitrária de "leis" da estética, na qual descreveremos seis: agrupamento, simetria, estímulos hipernormais, mudança de pico, isolamento e resolução de problemas perceptivos. Para cada lei, vamos explicar qual seria sua função e qual mecanismo neural está por trás dela.


Preste Atenção!

Vamos considerar o agrupamento antes.

Na imagem acima você tem a sensação de que o seu sistema visual está se esforçando para entender e agrupar os fragmentos aparentemente desconexos de um único objeto, nesse caso, um dálmata. Quando os fragmentos corretos se encaixam no lugar certo, nós sentimos uma sensação gratificante, Aha! Essa experiência agradável, nós supomos que seja baseada em mensagens diretas enviadas às áreas do prazer do nosso sistema límbico, que em efeito, diz "Ei, aqui há algo importante, preste atenção" - um requisito mínimo para a estética. Designers de moda entendem esse princípio do agrupamento. O vendedor da loja te sugere uma gravata branca com manchas azuis para combinar com a cor azul da sua camisa.


Agrupar envolve derrotar a camuflagem e, de forma geral, detectar objetos em ambientes confusos. Imagine um tigre escondido por trás de uma moita.

Tudo o que o seu olho percebe são inúmeros fragmentos amarelados de um tigre. Mas o seu sistema visual presume que todos esses fragmentos não se parecem por pura coincidência, então ele os agrupa para montar um objeto e presta atenção nele. O vendedor da loja não faz a mínima noção que ele está tocando em um princípio biológico quando ele escolhe a sua gravata.

A evolução também ajudou a moldar o nosso apelo pela simetria. Na natureza, quase todos os os objetos (presas, predadores, parceiros) são simétricos. Vale a pena ter um sistema de alerta precoce para chamar a sua atenção para a simetria, rapidamente te direcionando para a ação apropriada. Esta atração explica o fascínio pela simetria, tanto para uma criança bricando com um caleidoscópio quanto para o Imperador Shah Jahan, quem construiu o Taj Mahal para imortalizar sua bela esposa, Mumtaz. A simetria também pode ser atraente porque os parceiros assimétricos tendem a ser menos saudáveis, com genes ruins ou ter sofrido com parasitas durante seu desenvolvimento.

Vamos nos voltar para uma lei universal menos óbvia, que é o estímulo hipernormal. O etólogo Nikolaas Tinbergen da Universidade de Oxfor observou que a mais de 50 anos atrás que os filhotes de gaivotas chocados recentemente começam a pedir por comida bicando o bico de suas mães, que tem uma coloração marrom-claro com uma mancha vermelha. O filhote vai bicar fervorosamente igual a um bico solto do corpo, sem uma gaivota anexada a ele. Esse comportamento instintivo surgiu porque, ao longo de milhões de anos de evolução, o cérebro dos filhotes de gaivotas "aprenderam" que aquela coisa longa com uma mancha vermelha significa mãe e comida.

Tinbergen descobriu que ele podia provocar o filhote sem o bico. Um graveto longo com uma mancha vermelha funcionaria. Os neurônios visuais do cérebro do filhote de gaivota obviamente não são muito exigentes em relação ao requisitos exatos de estímulo.

Mas ele fez uma descoberta marcante. Se o filhote visse um pedaço longo e fino de um cartão com três listras vermelhas, ele ficava furioso. O filhote preferia esse estímulo estranho ao invés de um bico verdadeiro. Sem perceber, Tinbergen tropeçou no que chamamos de "superbico" (posteriormente, ele ganhou o Prêmio Nobel de Medicina Fisiológica em1973 , por seu trabalho em padrões de comportamento animal).


Nós não sabemos porque esse efeito acontece, mas provavelmente resulta da forma como cada neurônio visual codifica a informação sensorial. A forma como eles estão conectados pode provocar uma resposta mais poderosa a um padrão diferente, desse modo enviando um grande "Aha!" para o sistema límbico do filhote.


O que um superbico tem a ver com arte? Se os filhotes de gaivota tivessem uma galeria de arte, eles pendurariam longos gravetos com listras vermelhas na parede, e eles também adorariam isso e pagariam muito caro para possuir um exemplar.


A arte, de forma similar, convence colecionadores a gastar milhares de dólares em uma pintura sem entender o porque dela ser tão atraente. Através da tentativa e erro, e ingenuidade, os artistas modernos descobriram uma forma de tocar os aspectos idiossincráticos da gramática perceptual primitiva do cérebro, produzindo para o cérebro humano o equivalente ao que é o graveto listrado para o cérebro da pequena gaivota.

Um princípio relacionado, chamado de mudança de pico desempenha um papel na apreciação de uma caricatura ou de um retrato. As características que fazem um rosto específico (por exemplo, o rosto de George W. Bush), que se diferem da "média" de centenas de rostos masculinos, são amplificadas seletivamente para que o resultado pareça ainda mais com o Bush do que o próprio Bush.

Em 1998 o filósofo William Hirstein da Faculdade de Elmhurst e eu (Ramachandran( sugerimos que as células no cérebro do macaco que são conhecidas por responder a faces específicas (como a do Joe, o macho alfa) vão responder ainda mais vigorosamente à caricatura do que à face do original. Essa resposta forte agora foi confirmada em experimentos realizados por Doris Tsao da Univerdidade de Harvard.



Por que menos é mais?

Vamos para os próximos dois princípios que se relacionam entre si: isolamento e resolução de problemas perceptivos, ou esconde-esconde. Qualquer artista vai te dizer de vez em quando que, na arte, "menos é mais"; um simples rabisco de um nu é mais bonito do que muitas imagens coloridas 3D de uma mulher nua. Mas, por quê? Esse fenômeno não se contradiz com o da mudança de pico?


Para resolver esta contradição em particular, nós precisamos nos lembrar que o nosso cérebro tem recursos de atenção limitados - resulta em um gargalo de atenção porque apenas um único padrão de atividade neural pode existir por vez.


É aqui que o isolamento entra. Um rabisco ou esboço habilmente planejado permite que o seu sistema visual distribua a sua atenção espontaneamente onde ela é necessária - ou seja, para o contorno ou forma da nudez - sem que ele se distraia com todos os outros detalhes irrelevantes (cor, textura, sombreamento e por aí vai) que não são tão importantes como a beleza da forma transmitida por seus contornos.

Uma evidência disso vem das crianças autistas e muito habilidosas como a Nadia. Ela produzia desenhos incrivelmente bonitos, talvez porque, quando a maior parte do seu cérebro funciona abaixo do ideal, ela podia ter tido uma ilha de tecido cortical "poupado" em seu lobo parietal, que é conhecido por fazer parte do nosso senso artístico de proporção.


Assim, ela podia espontaneamente empregar todos os seus recursos de atenção para esse "módulo de arte" poupado (depois que ela cresceu e ganhou novas habilidades sociais sua habilidades artísticas desapareceram). Bruce Miller da Universidade da Califórnia, em São Francisco, demonstrou que até mesmo alguns pacientes adultos que desenvolveram uma degeneração em seus lóbulos frontais e temporais (chamada de demência frontotemporal) subitamente desenvolveram talentos artísticos, possivelmente porque agora eles podem alocar toda a sua atenção ao lobo parietal.


Uma lei da estética relacionada ao isolamento é o esconde-esconde. No século nove, um filósofo indiano chamado Abhinavagupta descobriu esse efeito, que Austro-britânico o historiador de arte Sir Ernst Gombrich rededescobriu no século 20. Uma pessoa nua que tem apenas os braços ou parte do ombro à mostra por trás de uma cortina de chuveiro ou de um véu diáfano é muito mais sedutora do que um nu completamente descoberto.


Assim como as partes pensantes do nosso cérebro gostam de resolver problemas intelectuais, o nosso sistema visual gosta de descobrir objetos escondidos. A evolução fez com que o próprio ato de procurar o objeto escondido seja agradável, não apenas o "Aha!" final de reconhecimento - para que você não desista muito cedo na busca.


Senão, nós não iríamos perseguir uma caça em potencial ou um parceiro parcialmente escondido por trás de uma moite ou de um denso nevoeiro.


Qualquer vislumbre parcial de um objeto desencadeia uma busca - guiando para um mini "Aha!" - que envia uma mensagem de volta para os estágios anteriores do processamento visual. O esperto estilista de moda ou artista tenta invocar quantos mini "Ahas!", mudanças de pico e paradoxos são possíveis numa imagem.

Nós mal tocamos em aspectos mais elusivos da estética como a "metáfora visual", que é a agradável ressonância entre o visual e os elementos simbólicos de uma imagem. Entre a estética dos filhotes de gaivotas e a sublime beleza de um Monet, temos uma longa jornada pela frente para compreender totalmente o processo visual do cérebro. Enquanto isso nossos estudos nos deram vislumbres tentadores de como esse terreno se parece, nos inspirando a continuar a nossa busca.

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