É comum relacionar a saúde apenas aos hábitos. Alimentação, consumo de certas substâncias, prática de esportes, horas de sono, estresse, genética etc. Mas você sabia que o meio físico em que os seres humanos vivem tem grandes consequências na saúde? Será que o edifício onde você trabalha, a casa onde você vive ou a cidade onde você mora estão lhe adoecendo e você ainda não percebeu? Vamos falar sobre isso nesse post.
Viver com saúde e envelhecer com qualidade tem sido a preocupação de, pelo menos, metade da população mundial. Pessoas como eu e você, cientistas, médicos, nutrólogos etc, todos preocupados em atingir um padrão de saúde mundial, evitar doenças, aumentar a imunidade e reduzir o sofrimento na terceira idade. Apesar de haver muitas pesquisas na área da saúde, da alimentação e até da psicologia, na tentativa de relacionar alguns hábitos e substâncias com os níveis de imunidade, com a incidência de algumas doenças, com a longevidade etc, ainda há uma área pouco explorada no que diz respeito à saúde das pessoas: o meio em que elas vivem.
O Ser Humano e o seu Habitat natural
Na escola aprendemos que cada animal tem seu habitat natural. E isso implica em algumas condições físicas específicas que os animais necessitam para viver: as condições climáticas, o tipo de vegetação, o relevo, a flora, o acesso à alimentação. E a seleção natural ainda nos ensinou que os animais que são menos adaptados a viver em algumas regiões e condições perecem, enquanto os mais adaptados sobrevivem e prosperam.
Diferente dos outros animais e até mesmo das plantas, que precisam se adaptar ao meio para sobreviver, os seres humanos têm uma vantagem enorme: Nós não nos adaptamos ao meio, nós adaptamos o meio a nós. Nós construímos barragens, desvios, túneis, estradas, assentamentos, florestas, abrigos, edificações, cidades etc. Por isso, podemos dizer que o Habitat Natural do ser humano seria o meio urbano, com suas vias, distritos e edificações. Mesmo aqueles que moram nas áreas rurais sofrem interferência do meio urbano, pois estas pessoas moram em edificações, ainda que pequenas e construídas por elas mesmas, mas elas não deixaram de adaptar o meio a elas.
Como seres do meio urbano, isso significa que existem uma série de elementos que fazem parte do nosso habitat natural: os edifícios, os revestimentos, as vegetações, as calçadas, as vias, os transportes, o barulho, a fumaça, os equipamentos de ar-condicionados (e outras máquinas), as instalações elétricas e hidráulicas, entre outros. Ou seja, além da alimentação, da prática de esportes e do consumo de susbtâncias, existem inúmeros outros fatores que exercem influência na nossa condição física:
o dimensionamento dos espaços internos e externos
as substâncias químicas contidas nos materiais, que são liberados no ar através da decomposição
as ondas eletromagnéticas emitidas pelos equipamentos eletrônicos
a poeira, os gases e microoganismos que inalamos pelas ruas das cidades, dentro dos edifícios, dentro dos veículos
as características espaciais das cidades e dos edifícios, que influenciam os nossos hábitos (por exemplo: o de sempre usar o elevador ao invés das escadas, o de andar de carro ou pegar o ônibus ao invés de ir andando etc)
o aspecto humano dos edifícios e das cidades, que influenciam no nosso bem estar mental
os microclimas criados nos edifícios e nas cidades, como as ilhas de calor, que reduzem o conforto ambiental das edificações
a poluição sonora, que atrapalha a concentração, o sono das pessoas e o descanso das pessoas
Esses pontos citados são tão sérios, que se tornaram o assunto principal de um relatório da Organização Mundial da Saúde já em 1984. Vamos falar mais sobre ele a seguir.
A Síndrome do Edifício Doente
Em meados dos anos 70, uma série de pessoas começaram a se queixar de alguns sintomas de doenças não específicas, e foi observado que os reclamantes conviviam em edificações recém construídas como edifícios residenciais, edifícios comerciais e creches. Esse fenômeno começou a ser chamado pela mídia de "doença do escritório" (office illness). O termo Síndrome do Edifício Doente (Sick Building Syndrome, SBS) só foi usado pela Organização mundial da saúde em 1986, quando eles atestaram que de 10 a 30% das edificações recém-construídas na costa Oeste apresentavam problemas com a qualidade do ar nos ambientes internos. Antes disso, alguns estudos britânicos e dinamarqueses também haviam atestado o mesmo problema.
A baixa qualidade dos ambientes internos atraiu a atenção de todos. Um estudo sobre alergias, desenvolvidos pelos suecos (SOU 1989:76) usou o termo "edifício doente" para definir a epidemia de alergias que estava se espalhando. Na década de 90, foi realizado um extenso estudo e pesquisas sobre os "edifícios doentes", onde foram examinados diversos físicos e químicos das edificações. Também nessa mesma época, os edifícios doentes foram comparados aos edíficios saudáveis, e com isso observou-se a composição química dos materiais que moldavam os edifícios. Vários fabricantes de materiais e acabamentos iniciaram uma corrida para tentar usar substâncias menos tóxicas na composição de seus produtos.
O termo Síndrome do Edifício Doente acabou sendo denominada como uma condição de saúde onde os usuários e frequentadores de alguns edifícios sofrem com uma série de sintomas, doenças e mal-estar sem alguma razão aparente. Os sintomas se intensificam à medida em que as pessoas vão passando mais tempo nesses edifícios doentes, e desaparecem quando elas param de frequentar os locais.
Os sintomas são variados:
Cefaléia
Irritações oculares
Fadiga
Náuseas
Tontura
Problemas respiratórios (bronquites, rinites, sinusites, faringites, laringites, amigdalites)
Dermatites
Dificuldade de Concentração
As Causas da Síndrome do Edifício Doente
Essa condição é relacionada a várias características e aspectos físicos das edificações, como:
Ventilação Inadequada
Quando a edificação possui sistema de ar-condicionado, ou quando a mesma foi mal planejada e não prioriza a ventilação natural. No caso da ventilação mecânica, a poeira e os microorganismos que circulam nos dutos de ar-condicionado são inalados pelas pessoas. Bactérias e vírus que causam de gripes a doenças mais graves também são transportadas através do sistema e inalados pelos usuários das edificações. Outro problema causado pela má ventilação, é que os gases e susbtâncias tóxicas que são expelidos dos materiais, através da decomposição deles, ficam acumulados nos ambientes internos e nos dutos, e também são inalados pelas pessoas.
O sol é um poderoso agente antisséptico. Em uma situação ideal, a massa de ar que circula pelas cidades deveria ser esterilizada pelo sol, e então adentrar as edificações, renovando o ar nos ambientes internos. Entretanto, como os edifícios em sua grande maioria não possuem ventilação cruzada e são dependentes do ar-condicionado (principalmente pelo uso excessivo de fachadas envidraçadas e sem proteção térmica), essa troca de ar não ocorre. Portanto, o ar que circula entre os ambientes é um ar extremamente poluido, carregado de poeira, gases tóxicos, microorganismos, virus etc.
Deterioração dos materiais
Muitas vezes o material, em si, não é tóxico. Entretanto, ao ser exposto a altas temperaturas ou em contato com o sol, a reação com o material pode provocar a alteração de alguns componentes que podem se tornar tóxicos, e ao serem expelidos na atmosfera, são inalados pelas pessoas. Isto ocorre tanto dentro quanto fora dos edifícios, pois essas substâncias também estão presentes no ar do lado de fora das edificações.
Poluição Sonora
A poluição sonora não é somente aquela referente aos sons dos veículos, mas aos barulhos que eles produzem ao andar, também é relacionado ao funcionamento das máquinas de elevadores e ventilação mecânica, equipamentos de informática, o barulho gerado pela aglomeração de pessoas, e também ao mal desempenho acústico das edificações. Esses fatores são causadores de estresse, má concentração, fadiga, tontura, ansiedade dentre outros.
Mal desempenho térmico
Há uma temperatura ideal e confortável para os seres humanos, e ela fica entre 23 e 25 graus Celsius. Entretanto, em edificações com mal desempenho térmico, é difícil se atingit essa temperatura. Edifícios que não apresentam soluções de conforto ambiental, como elementos protetores de fachadas, revestimentos térmicos, fachadas ventiladas, balcões de ar etc, não conseguem promover uma temperatura adequada, geralmente expondo o corpo humano a temperaturas muito baixas, devido ao uso extremo do ar-condicionado, ou temperaturas altas pela falta dessa ventilação mecânica. Quando o ser humano fica exposto à temperaturas inadequadas, seu corpo sofre estresse, e a variação constante da temperatura pode provocar redução da imunidade.
Má iluminação e a falta de Sol
A iluminação também está diretamente ligada à qualidade dos ambientes internos. Não só porque a iluminação natural e o contato com o sol ajudam a prevenir a depressão (estudos recentes mostram e a relação entre os índices de depressão a poucas horas de sol por dia, o que geralmente ocorre em regiões muito frias e próximo aos polos) e na reposição da vitamina D, mas a iluminação artificial no interior dos ambientes, principalmente em locais onde as pessoas realizam atividades e trabalhos por horas a fio, também são fatores importantes para a manutenção da saúde física e mental.
Ambientes de trabalho mal iluminados podem provocar dores de cabeça, estresse, falta de concentração, fadiga, tontura.
Falta de desconexão com o Caos urbano
Cidades caóticas, mal organizadas, mal planejadas, edifícios localizados em áreas urbanas caóticas também contribuem para o mal estar físico. E viver em locais onde não é possível se desconectar desse caos também pode provocar mal-estares, estresse, depressão, insônia, dificuldade de concentração, fadiga, tontura, náuseas, cefaléia e outros sintomas físicos.
Edifícios muito altos
O ser humano, por mais que tenha conquistado os céus, é um animal terrestre. Os edifícios muito altos não fazem mal somente para aqueles que vivem neles (e que sofrem com a claustrofobia, vertigem etc), mas também para aqueles que andam por entre esses edifícios pelas ruas das cidades. Os edifícios muito altos podem provocar uma sensação de claustrofobia, causam também uma sensação de insignificância, provocam tonturas, vertigem, labirintite e pode causar ataques de pânico e ansiedade. Entre outros problemas, os edifícios muito altos consomem muita tecnologia, material e energia para serem construídos e mantidos, sua deterioração no meio urbano provoca sérios perigos (riscos de incêndio e desabamentos catastróficos), e são impossíveis de serem ocupados caso falte energia (imagina subir mais de 10 andares de escada?). Em uma situação de emergência, como um incêndio por exemplo, é mais provável que em edifícios muito altos haja mais vítimas, pois nem todos conseguirão descer inúmeros andares de escada a tempo.
Mal dimensionamento interno
Ambientes mal dimensionados, apertados de mais ou desnecessariamente amplos e vazios, podem contribuir para a depressão, dificuldade de concentração, ansiedade entre outros. Especificamente em ambientes muito pequenos, há estudos que relacionam o aumento da incidência de miopia em pessoas que convivem constantemente em espaços apertados, sem vista ou aberturas para o exterior.
Má qualidade estética
Existe uma crença errada de que a beleza é relativa e o gosto é algo muito pessoal. Entretanto, é fácil encontrar lugares onde muitas pessoas (todas de diferentes 'gostos') frequentam, mas onde todas elas se sentem bem, confortáveis, protegidas, acolhidas etc. A estética não é um luxo ou algo totalmente desnecessário ou sem valor. Quer um exemplo? Olhe para suas roupas agora. Seus sapatos. Que motivo o levou a escolher os modelos que está usando? Muito provavelmente você viu a peça em alguma vitrine ou no interior de uma loja, gostou do que viu, achou bonito, e resolveu experimentar, certo? Isto se dá porque a beleza, ou a estética, é um valor importante para nós seres humanos. Nós nos atraímos pelo que é belo, e geralmente o que é belo é resultado de um conjunto que harmoniza cores, texturas e proporções. Existem estudos que comprovam que o nosso "padrão" do belo não é algo construído socialmente, mas é genético. Somos programados no nosso DNA para achar algumas coisas bonitas e outras nem tanto. Esse mesmo padrão de comportamento é encontrado inclusive em alguns animais, como o pássaro-pavilhão macho, que é atraído especificamente por objetos de uma determinada cor, e coleta esses objetos levando-os para seu ninho para atrair as fêmeas.
A Neurosciência e a Arquitetura
Outros aspectos importantes sobre a arquitetura é sobre a influência que ela exerce nas nossas emoções e comportamento. Muitas pesquisas recentes têm feito uma ligação entre a nossa saúde e o nosso estado emocional, onde nessas descobertas têm-se encontrado muitas evidências de que grande parte das doenças que afligem as pessoas têm suas origens nas questões emocionais.
No nosso blog temos vários outros textos interessantes, assim como traduções de artigos que tratam sobre a neurosciência aplicada à arquitetura, caso queiram aprofudar-se mais sobre o assunto!
Conclusão
Nunca a humanidade foi acometida por tantas e tantas doenças, sejam elas respiratórias, alérgicas, cardíacas, endócrinas e cancerígenas. Estamos cercados de coisas que nos fazem mal a saúde, mas o que não esperávamos era descobrir que os edifícios e as cidades também têm sua parcela de culpa.
Portanto, para viverem uma vida realmente saudável, agora sabemos que não basta apenas cuidar da alimentação, praticar exercícios e dormir oito horas por dia. Cuidar do espaço onde vivemos é fundamental. Afinal, não adianta termos bons hábitos de saúde se o meio onde vivemos está contaminado.
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