Artigo original de Michael Bond, BBC Future, traduzido livremente.
"Nós moldamos os nosso edifícios, e depois eles nos moldam", disse Winston Churchill em 1943 enquanto avaliava a reconstrução da Câmara dos Comuns, que havia sido assolada por uma bomba.
Mais de 70 anos depois, ele com certeza ficaria satisfeito se soubesse que neurocientistas e psicólogos descobriram evidências para corroborar sua tese.
Agora nós sabemos, por exemplo, que as cidades podem afetar o nosso humor e sensação de bem estar, e que algumas células específicas da região do hipocampo do nosso cérebro são sintonizadas à geometria e organização dos espaços que habitamos.
Ainda assim, arquitetos e urbanistas tem prestado pouca atenção ao potencial cognitivo dos efeitos que as suas criações exercem sob os habitantes de uma cidade. A obrigação de criar um edifício único e diferente costuma se sobrepor ao fato de que essa criação pode moldar o comportamento de quem vai morar no edifício. Mas, isto pode mudar.
"Existem muitas diretrizes boas (baseadas em evidências) por aí" sobre como projetar edifícios "user-friendly" (focado nos usuários), diz Ruth Dalton, que estuda tanto arquitetura quanto a ciência cognitiva, na Universidade de Nortúmbria, em Newcastle. "Muitos arquitetos escolhem ignorá-los. Por que isso?"
"Hoje, graças a estudos psicológicos, temos uma ideia muito melhor do tipo de ambiente urbano as pessoas gostam ou acham estimulante"
No mês passado (maio, 2017), a Conscious Cities Conference (Conferência das Cidades Consicentes), realizada em Londres, considerou como os cientistas cognitivos poderiam tornar suas descobertas mais acessíveis aos arquitetos. A conferência aproximou arquitetos, designers, engenheiros, neurocientistas e psicólogos, todos esses profissionais ultimamente têm cruzado suas áreas a nível acadêmico, mas raramente a nível prático.
Um dos palestrantes da conferência, Alison Brooks, um arquiteto especialista em arquitetura de habitação social, disse à BBC Future que descobertas baseadas em psicologia poderiam transformar a forma como as cidades são construídas. "Se a ciência ajudasse a profissão dos designers a justificar o valor de um bom projeto, isso seria uma ferramenta muito poderosa e seria possível transformar a qualidade do ambiente construído", ela disse.
Uma maior interação entre essas disciplinas poderia, por exemplo, reduzir as chances de repetir horrores arquitetônicos como Complexo Residencial Pruitt-Igoe em Saint Louis, Missouri, Estados Unidos, onde 33 blocos de apartamentos, projetados por Minoru Yamasaki, também autor do projeto do antigo World Trade Center, se tornaram famosos por seus crimes, miséria e problemas sociais. Críticos argumentaram que espaços abertos entre os blocos de arranha-céus modernistas desestimularam o senso de comunidade, coincidentemente à medida que as taxas de crimes aumentaram. O complexo foi demolido em 1972.
Pruitt-Igoe não foi o único. A falta de conhecimento comportamental por trás dos projetos residenciais modernistas daquela época, com o seu senso de isolamento da comunidade, e seus espaços públicos muito mal concebidos, fez com que muitos cidadãos se sentissem, como disse a artista britânica Tinie Tempah, que cresceu em um desses complexos, com se eles "fossem projetados para que você não obtivesse sucesso na vida".
Hoje, graças aos estudos psicológicos, nós temos uma idéia muito melhor do tipo de ambiente urbano que as pessoas gostam ou acham estimulante. Alguns desses estudos tentaram medir a resposta psicológica de algumas pessoas em determinados locais, através do uso de equipamentos como pulseiras que medem a conductância através da pele (como um estímulo psicológico), do uso de aplicativos de smartfones que perguntam aos participantes sobre o seu estado emocional, e o capacete de eletroencefalograma (EEG) que media a atividade cerebral relacionada ao estado mental e humor.
"Isto adiciona uma camada de informações que são difícies de obter". disse Colin Ellard, que pesquisa o impacto psicológico do design na Universidade de Waterloo, no Canadá. "Quando perguntamos às pessoas sobre o nível de estresse delas, elas dizem que não é grande coisa, mas quando medimos o estresse fisiologicamente nós descobrimos que os resultados eram muito altos. O problema é que o seu estado psicológico é o que tem maior impacto na sua saúde". Analisando de perto esses estados psicológicos podemos obter um maior esclarecimento sobre como o desenho urbano afeta nosso corpo.
Uma das descobertas mais consistentes de Ellard, é que as pessoas são fortemente afetadas pelas fachadas das edificações. Se a fachada é complexa e interessante, isto afeta as pessoas de uma forma positiva; negativamente se a fachada é simples e monótona. Por exemplo, quando ele caminhou com um grupo de participantes através da enorme fachada de vidro de uma loja da Whole Foods na região baixa de Manhattan, seu estímulo e estados de humor despencaram, de acordo com a pulseira que media os estímulos emocionais que eles usavam. Eles também apressaram o passo da caminhada para sair o mais rápido possível desta "zona morta". Os níveis aumentaram consideravelmente quando eles alcançaram uma rua de restaurantes e lojas, onde (sem surpresas), eles registraram sentir-se mais vivos e envolvidos.
O escritor e especialista em urbanismo Charles Montgomery, que colaborou com Ellard em seu estudo em Manhattan, disse que isso indica um "desastre emergente na psicologia das ruas". Em seu livro Happy City (Cidade Feliz), ele avisa: "À medida em que as incorporadoras urbanas começam a colonizar os centros das cidades, quadras e quadras de lojinhas e edificações em menor escala estão sendo substituídos por espaços vazios e frios que efetivamente eliminam a convivência social das ruas"
Outra desoberta já muitas vezes divulgada é que o acesso a áreas verdes como florestas e parques podem reduzir o estresse de viver na cidade.
A vivência Urbana pode alterar a biologia do cérebro em algumas pessoas
Vancouver, que muitas vezes foi considerada a melhor cidade do mundo para se viver, tem feito disso uma virtude, onde suas normas de construção das áreas centrais foram alteradas de modo que os residentes tivessem uma vista decente das montanhas, florestas e oceano, de norte a oeste. Além de serem restauradoras, áreas verdes também podem melhorar a saúde. Um estudo da população da Inglaterra em 2008 descobriu que os efeitos da desigualdade na saúde (que tendem a aumentar o risco de doenças circulatórias entre aqueles da camada econômica mais baixa da sociedade), é muito menor onde há maior quantidade de áreas verdes.
E por quê? Uma teoria é que a complexidade visual dos ambientes naturais agem como uma espécie de relaxante mental. Isto corrobora a descoberta que Ellard fez em Manhattan, como também com um experimento de realidade virtual realizado em 2013 na Islândia, onde os participantes visualizavam várias ruas residenciais e descobriram que aquelas que tinham a maior variedade arquitetônica eram as mais mentalmente estimulantes. Another VR Study publicado este ano (2017), concluiu que as pessoas se sentem melhor em ambientes com formas curvas e arredondadas do que em ambientes angulares e formas retangulares, apesar de os estudantes de design preferirem este último.
A importância do desenho urbano vai muito além da estética do bem-estar. Vários estudos têm demonstrado que crescer em uma cidade duplica as chances de uma pessoa desenvolver esquizofrenia, e aumenta os riscos de outros transtornos mentais como depressão e ansiedade crônica.
O principal gatilho parece ser o que os pesquisadores chamam de "estresse social", que é a falta do "laço" ou conexão social e coerência entre os bairros. Andreas Meyer-Lindenberg da Universidade de Heidelberg demonstrou que a vivência urbana pode alterar a biologia cerebral de algumas pessoas, resultando em redução da massa cinzenta na área do cortex prefontal dosolateral direito e do cortex cingular anterior perigenual, duas áreas onde as alterações têm sido anteriormente relacionadas a experiências estressantes no início da vida.
Parece contra-intuitivo: obviamente, quanto maior o número de pessoas, maior será a interação social. Enquanto isto pode parecer superficial, o tipo de interações sociais significantes que são cruciais para a saúde mental não acontece facilmente nas cidades. O isolamento social é agora reconhecido pelas autoridades urbanas como um enorme fator de risco para muitas doenças. É possível projetar contra isso, construindo de uma forma que as conexões humanas sejam encorajadas?
Uma dos primeiros a tentar foi o sociólogo William Whyte, que aconselhou urbanistas a organizar os objetos e artefatos no espaço público de uma forma que incentivasse as pessoas fisicamente a estarem mais próximas, e que fosse mais fácil a conversa entre elas, um processo que ele chamou de "triangulação".
A complexidade visual de um ambiente natural funciona como um relaxante mental
Em 1975, o Projeto para Espaços Públicos, fundado por um dos colegas de Whyte, transformou a forma como as pessoas usavam o Rockerfeller Center em Nova Iorque, por simplesmente colocando bancos ao longo das árvores da base do saguão (ao invés daqueles 'espetos repelentes de pessoas' que a gerência queria originalmente). O escritório Snohetta seguiu um princípio similar na Times Square, introduzindo longos bancos esculpidos em granito para enfatizar o espaço icônico, que uma vez esteve entulhado de veículos, é agora o paraíso dos pedestres.
Enriquecer os espaços públicos não acaba simplesmente com a solidão das cidades, mas ajuda a tornar a vida dos residentes mais estimulante e confortável com o entorno. "Vivendo entre milhões de estranhos não é um fenômeno natural para as relações de um ser humano", diz Ellard. "Uma das funções da uma cidade é lidar com este problema. Como construir uma sociedade onde as pessoas tratam umas as outras de forma amigável e gentil? Isto é mais fácil de acontecer quando as pessoas se sentem bem. Se você se sente de uma forma positiva, você estará mais inclinado a conversar com um estranho".
Uma coisa que é garantia de fazer as pessoas se sentirem mal em viver em uma cidade é a sensação constante de estar perdido ou desorientado. Algumas cidades são mais fáceis de navegar do que outras, a malha urbana cartesiana de Nova Iorque é relativamente mas direta, enquanto em Londres, com sua miscelânea de bairros, todos orientados de forma diferente, com o rio Tâmisa cortando ao meio, é notoriamente mais confusa. Na Conferência das Cidades Conscientes, Kate Jeffery, uma neurocientista comportamental da Universidade College London que estuda a orientação em ratos e outros animais, citou que, para se sentir conectado com um determinado lugar, você precisa saber como as coisas se relacionam, umas com as outras espacialmente. Em outras palavras, você precisa de um senso de direção. Locais com simetria rotacional, onde tudo parece igual não importa para qual direção você olhe, como o Circus Piccadily, por exemplo, são um verdadeiro pesadelo para a orientação, ela disse.
Uma coisa que é garantia de fazer as pessoas se sentirem mal em viver em uma cidade é a sensação constante de estar perdido ou desorientado
O senso de direção é igualmente importante dentro dos edifícios. Um dos edifícios 'desorientantes' mais famosos é a Biblioteca Central de Seattle, que ganhou inúmeros prêmios por sua Arquitetura. Dalton, da Universidade de Nortúmbria, que estudou o edifício por inúmeros anos, e escreveu um livro sobre ele, disse que ela acha fascinante que um local tão "universalmente admirado por arquitetos... possa ser tão problemática".
Um dos problemas da biblioteca é a enorma escada-rolante que leva os visitantes do nível térreo até os níveis mais altos, sem um meio óbvio de descer. "Eu acredito que havia um desejo por parte dos arquitetos de tentar e frustrar as espectativas, e de ser um pouco ousado", diz Dalton. "Infelizmente, quando se trata de navegação, nossas expectativas existem por um motivo. Há pouquíssimas situações no mundo real onde você pode ir do local A ao local B através de uma única rota, e você é obrigado a tomar uma rota diferente para ir de B de volta para A. E isto realmente confunde as pessoas". Em um Forum online, um dos usuários da Biblioteca comentou que "deixei o edifício assim que consegui descobrir como sair, esperando não ter um ataque de ansiedade".
Mas, esta é a questão sobre as cidades: as pessoas que vivem nela conseguem sobreviver e ainda se sentirem em casa, apesar de todos os obstáculos arquitetônicos que as confrontam, seja em uma biblioteca bizantina ou em um parque aberto.
Uma manifestação visível disto são as "rotas preferidas" que direcionam o caminho que elas percorrem através das trilhas dos gramados e dos parques, fazendo as pessoas preferirem esses caminhos através da cidade. Eles representam um tipo de rebelião contra as rotas pré-definidas pelos arquitetos e urbanistas. Dalton enxerga esses caminhos como uma parte da "consciência distribuída" da cidade, como uma sabedoria compartilhada de onde outras pessoas estiveram e de onde eles vão estar no futuro, e imagina como isso afeta o nosso comportamento se as rotas preferidas (ou rotas sociais, como ela as chama) poderiam ser geradas pelos pavimentos das edificações e pelas ruas.
Ela está chegando à conclusão de que os arquitetos, os neurocientistas e os psicólogos todos parecem em concordar: que um edifício ou cidade de qualidade não é sobre como os edifícios podem nos moldar, como disse Churchill, mas é sobre fazer as pessoas sentirem que elas tem um controle sobre o seu ambiente. Ou, como Jeffrey colocou na Conferência das Cidades Conscientes, que nós "somos as criaturas dos locais que vivemos". Bem-vindo à nova era da neuro-arquitetura.
Fonte: http://www.bbc.com/future/story/20170605-the-psychology-behind-your-citys-design
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